CATÁLOGO ONLINE - disponível a partir de Segunda-feira
Por motivos técnicos, o catálogo online só estará disponível a partir de Segunda-feira, dia 4 de Julho.
Por favor consultem o catálogo aqui:
www.fba.up.pt/playtime
a partir dessa data.
Entretanto, ficam aqui alguns excertos:
Uma Aventura Imperativa
Como se de um sonho aparentemente mau transformado em necessidade se tratasse, o Porto encontra-se finalmente reunido com o seu equivalente Lewis-Carrolliano em 2005. Por entre escombros de obras públicas que parecem constituir-se no novo ex-libris urbano para a eternidade, recitais de vanguardas-tornadas-pop em espaços alternativos-tornados-mainstream, mimetizações derivativas e crioulizadas de metrópoles imaginárias que partilham apenas o nome com o seu equivalente geográfico (o essencial - a essência, esse espaço de energia e vibração imateriais - nunca será importável), a falência política, económica e financeira nacionais que permitem a reinvenção dos modos e recursos de modos que o dinheiro nunca poderá comprar, a vaga sensação generalizada de que "isto já não tem remédio", um dançar à beira do abismo, uma dissolução das leis e da justiça, a impunidade como arma criativa, um universo de imagens, cada vez mais imagens que parecem cada vez querer dizer mais mas que cada vez se fazem ouvir menos... é hoje, efectivamente uma aventura habitar o espaço do Porto.
Duas ressalvas a esta afirmação:
1. o termo "aventura", neste contexto, deve remeter-nos não para qualquer contexto hollywoodiano de narrativa romântica incipiente, mas sim para um efectivo confronto com o medo, a dificuldade e a incerteza, e para a aceitação dos mesmos;
2. o termo "habitar", neste contexto, refere-se menos à condição geográfica, e mais a uma vontade de nos situarmos mentalmente; neste caso, na corda bamba que une o caldeirão abundante dos signos e a infra-estrutura que confere a esses mesmos signos a capacidade de comunicarem.
Diz-se que a era da canibalização dos signos está por um fio. Espera-se, efectivamente, que a era da canibalização dos signos esteja por um fio. Não que a apropriação e regurgitação de tralha comunicacional avulsa venham a dar lugar a um qualquer novo classicismo num futuro vislumbrável, mas porque a compulsão de citações começa já a não se compadecer com o desesperante "gag" de três segundos. Por outras palavras: a tralha comunicacional avulsa continuará a existir, mas quererá agora contribuir, relacionar, ser necessária – e esta simples ambição será já um gigantesco passo em frente. Se o processo criativo que a sustenta procurar uma nova erudição, esta poderá pelo menos tentar chegar a quem a recebe. E poderá chegar segundo um princípio de reciprocidade: quanto mais contemplarmos, mais vislumbraremos; quanto mais investirmos, mais receberemos; quanto mais conhecermos, mais poderemos conhecer.
É neste contexto que o ciclo de exposições "Playtime!" pede para ser observado. Derivado de um vasto leque de projectos finais de curso de Design de Comunicação da FBAUP, este ciclo coloca-nos perante um conjunto de dilemas desarmantes na sua honestidade e transparência:
- Pode a imagem ser, simultaneamente, profunda e imediata?
- Pode a erudição resolver-se num contexto mediático de massas?
- São úteis, são legítimos a ambição e o desejo de novos paradigmas para a comunicação, ou o único paradigma possível é agora a sua própria ausência?
- Interessa-nos a convergência e dissolução das áreas de criação, nomeadamente numa pespectiva de aproximação entre o Design e as ditas Artes? Se sim, como quantificar perdas e ganhos?
- Num mundo desintegrado, deve a integridade adoptar estratégias de incoerência e contradição?
Independentemente da resposta para os dilemas acima descritos (e independentemente de estes dilemas sequer admitirem resposta), sugere-se a contemplação das obras apresentadas neste ciclo segundo algumas das suas vertentes mais recorrentes e acentuadas, que a seguir se enumeram. Estas vertentes interessarão menos em termos de uma extrapolação quantificável, e mais no reconhecimento de sindromas culturais contemporâneos a uma escala consideravelmente mais vasta:
- O abandono de uma figuração literal e "literalista", e consequente procura de elementos visuais 'puros', de um 'grau zero' da imagem sobre a qual se ensaiam novos modelos de comunicação e interpretação. A multiplicação da unidade visual como forma de acesso a novas realidades. A livre convivência com a abstracção.
- O objecto de comunicação que se assume como derivado, reactivo, que existe como contínuo comentário e interpretação de objectos anteriores. A noção de autoria em processo de reconfiguração, o desmoronamento da mitologia romântica do criador de inspiração divina, isento de dever, imune ao contexto no qual floresce.
- A desmaterialização e descentramento do 'eu', da identidade. Vontade de estabelecer territórios mais vastos e fluidos na definição do indivíduo. O 'eu' que não conheço, o 'eu' mediado, o progressivamente mais difícil discernimento entre pessoa e personagem. O desembrulhar do enorme equívoco que se alimenta da personagem mediática dotada de uma presença mecânica, brutal, dançando em total impunidade num cenário profundamente divorciado da sensualidade dos sentidos.
- A responsabilidade social, manifesta em duas vertentes essenciais: na intervenção efectiva sobre contextos (numa estratégia aproximada à fenomenologia), e ensaio de estratégias críticas que pretendem vir a sustentar intervenções simbólicas concertadas.
- A ideia de composição (visual, musical) transportada para espaços físicos, geográficos, públicos, privados. O transporte de conceitos e formas cartográficas para áreas do pensamento, da actividade mental e comunicacional. A paisagem que transcende a sua vocação geográfica, uma consequência da cada vez menor dependência do universo físico, tangível, para preenchimento dos nossos modi operandi.
- O ressurgimento do que é misterioso, lento, complexo, do que não é codificável nem transferível, no que não se deixa encerrar nem concluir.
- O pensar e escrever sobre Design já não como universo exterior de reflexão, mas como actividade integrada, de pleno direito, na própria definição de Design.
Uma última referência ao título da presente série de exposições: Playtime! é, em primeira instância, uma homenagem não especialmente velada ao clássico de Jacques Tati, quer na utopia urbana simultaneamente nostálgica e neurótica sobre a qual ficciona, quer na utopia que o próprio Tati cumpriu através da realização do referido filme, feito (e finalmente reconhecido) contra todas as adversidades. Mas Playtime! é igualmente um convite à inversão da dinâmica entre trabalho e lazer. Num mundo rendido a um modo automático de entretenimento que é negócio de vida ou morte para a corporação e negócio de morte para a imaginação da audiência, o acto criativo que deriva do prazer e da experimentação, da incerteza e do jogo, deve ser celebrado. É por este motivo que o título contém um ponto de exclamação: “Playtime!” é um imperativo.
Heitor Alvelos, Junho de 2005
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